Gata Borralheira - Neucilene Santos
A primeira coisa que veio me encontrar foram aqueles lindos olhos azuis, mas que, no mesmo segundo, pro chão voltaram a olhar.
Quis me abaixar no impulso junto a ela, mas minha avó me interrompeu, me abraçando e me levando à mesa.
Parecia uma gata borralheira, um coque bagunçado, na mão um esfregão, um vestido esfarrapado...
Quase não prestei atenção no que minha avó dizia: "Meu neto, dessa vez você vai ficar mais tempo, seu avô está louco para te ver, quer te ajudar em que faculdade escolher.”
Então, com um gesto, minha avó a chamou. Do chão aquele anjo se levantou, não me contive e me levantei quando perto da mesa ela chegou.
“Meu neto, não precisa dessa educação, ela não passa de uma empregada que deve fazer mais que sua obrigação! Vá fazer um suco para meu neto.”
Vi seu rosto corar e novamente sua cabeça abaixar. Quis eu minha avó responder, mas meu avô nesse momento chegou e a vi sumir para a cozinha. Pouco tempo depois o suco deixou.
Na tarde do dia seguinte pude perceber da janela do quarto que minha avó me hospedara que estava um sol maravilhoso, iluminando todo aquele campo que sumia no horizonte, a gata borralheira recolhia roupas do varal, um sorriso de canto a canto, cantarolava uma canção...
Desci e me aproximei devagar, então pude ouvir sua voz tão linda quanto ela, mas que ao me ver se calou e se voltou ao que tinha que fazer. “Posso fazer alguma coisa por você?” retrucou ela com voz baixa. “Sim! Me permita te conhecer!”.
Ela me olhou assustada, seu cesto de roupas recolheu e saiu apressada, mas fui atrás e a segurei pelo braço. "O que você tem que fez meu coração tremer? Posso ao menos seu nome saber?" Ela me olhou corada, se soltou de minha mão andou e olhou para trás: "Gabriela”.
No jantar, percebi que ao vir me servir, suas mãos tremiam. Seus dedos magros e delicados quase estavam sem habilidades e deixou um talher cair. Minha avó, com toda sua grosseria, a fez seus olhos inundar. Interrompi minha avó: "Se a senhora mais uma vez essa moça destratar, amanhã ainda volto para minha casa.” Me olhou assustada... “Meu neto, não passa de uma empregada, não quero que fales assim comigo por conta dessa desajeitada!”. Não me contive em responder: “Desajeitada, mas a senhora está com a roupa lavada, a casa arrumada e a mesa colocada, e olhe para ela! Não deve nem ter hora certa para poder dormir.”
Pus minha mão no ombro de Gabriela e a disse para deixar que a cozinha daquela noite eu iria arrumar, então ela poderia ir se deitar. Vi a fúria nos olhos de minha avó, mas que se manteve calada. Percebi Gabriela se sentir ameaçada...
Eram 4:30 da manhã quando acordei com vozes vindo da cozinha. Me aproximei devagar e pude ouvir escondido minha avó Gabriela humilhar. "Acha que com essa sua cara amarrotada meu neto vai conquistar? Pude ver como o olhava no jantar, ele é filho de doutora e advogado, se ponha em seu lugar, levante a mão pro céu por eu te dar esse emprego! Você, sem estudo e nesse fim de mundo, acha que tocando seu violino e cantando, seu pai pobre e sua mãe doente que está em cima de uma cama, irá sustentar?”. Do canto da porta pude ver aquela gata borralheira chorar e tentar se explicar, mas minha avó no mesmo instante mandou o quintal ir limpar.
Quis com minha avó brigar, mas percebi que com a arrogância dela não adiantava insistir. Minha avó voltou para a cama e fui procurar Gabriela. Ainda estava escuro, depois de um tempo a vi sentada perto do seleiro. Fiquei parado olhando seus cabelos loiros ondulados soltos, chorava cabisbaixa com um cão no colo. Ao me ver: “Fique longe de mim! não posso meu emprego perder!” Ela quis fugir, mas fui atrás dela e consegui a alcançar, apenas a segurei e sem dizer nada e abracei. Ela não se conteve em segurar as lágrimas. "Nunca tanta humilhação passei...” Apenas disse. "Eu ouvi tudo! Minha avó não passa de uma orgulhosa, um dia ela vai engolir cada palavra que disse a você”. Ela me olhou dentro dos olhos e se afastou. "Por favor! Não fique perto de mim...”. Sorri e disse: “Prometo que fico longe, mas com uma condição: quero ver você tocar!”.
Junto as lágrimas, vi em seu rosto um sorriso brotar, pra minha surpresa que pensei que ela fosse recusar. "Jura que quer me ouvir? É o que eu mais amo fazer, mas ninguém nunca quer saber!”. Combinamos de naquela tarde nos encontrarmos perto de uma cachoeira que ficava próximo dali.
Contei nos dedos para a hora passar, no almoço ela evitou me olhar. Minha avó rude a observava o tempo todo, me fiz de bobo para o encontro à tarde não estragar. Meu avô muito falante disse que mais tarde tínhamos que conversar. Fiquei preocupado, iria ele me confrontar?
Na varanda ele fumava seu cachimbo. Me sentei perto dele, parecia estar longe e então sorrindo me disse: "Percebi que você está apaixonado por Gabriela, dá para ver em seus olhos." Olhei assustado e quis logo me explicar, que não me importava com suas condições, mas o velho começou rir. "Ah! meu neto, não foi pra te dar lição de moral que te chamei aqui, apenas te chamei para dizer que deve seus sonhos e seu coração seguir, se gosta de Gabriela não a deixe fugir.”
Fiquei sem palavras e apenas junto as lágrimas consegui sorrir. Abracei meu avô e uma última coisa ele me disse: "Não cometas o mesmo erro que eu.”
Ao olhar para a cachoeira, acompanhei sua queda até o vale, onde pude ver Gabriela sentada embaixo de uma árvore, um vestido rosa claro, cabelos soltos, seu violino ao lado. Me aproximei, havia levado um buque de jasmim que arranquei no caminho. Ela sorriu sem jeito e me agradeceu, contive a vontade de lhe dar um beijo. Ela então seu violino pegou, ficou de pé em minha frente, descalça, tocou e cantou feito um anjo, foi quando de vez meu coração de amor transbordou.
Seus olhos fechados, ela parecia voar! Levantei e sua mão segurei, fazendo-a parar de tocar e seus olhos abrir, mas para novamente os fechar. Foi naquele magnífico lugar que meu primeiro beijo em Gabriela pude dar.
Passamos todas as tardes a nos encontrar nesse mesmo lugar. Gravamos nossas iniciais no tronco daquela árvore, prometemos um ao outro nunca mais deixar. “É com você Gabriela que quero me casar!”
Mas hoje minha gata borralheira está demorando a chegar, então vejo minha avó o vale descer. Fico olhando para os lados para se acaso ela esteja vindo minha avó não ver. Ela me olha com um sorriso sarcástico: "Gabriela nunca mais você irá ver!"
Corri para encontrar meu avô, mas ele não sabia de nada. Me ensinou ir até a casa dos pais dela. Lá a casa estava pura, os vizinhos disseram que haviam recebido a proposta de que a mãe de Gabriela iria melhorar, mas morando em outro lugar...
Desabei num choro profundo. Minha avó nunca eu iria perdoar! Fiz minhas malas, abracei meu avô: "Se for da vontade de Deus, você vai a encontrar.” Minha avó não quis nem a olhar. Saí dali destinado a Gabriela encontrar. Procurei por muito tempo, implorei minha avó tempos depois, mas ela jurava que não sabia onde Gabriela estava.
Muitos anos se passaram e meu coração se trancou. Não podia ouvir som de violino que por dentro eu chorava. Mas minha vida seguiu em frente, me formei que nem meu pai em advocacia. E quanto a Gabriela... A guardei dentro de mim.
Hoje é o dia do meu casamento, deixei tudo por conta da minha noiva Flávia. Só fui entregando dinheiro a ela, não quis me envolver no meu próprio casamento. Sentia no fundo que ela não passava de uma oportunista, por conta de eu ter dinheiro. Ela escolheu tudo do melhor e do mais caro: o melhor buffet, a melhor decoração, a melhor banda do estado, tudo o melhor. Mas para mim não havia significado.
Todos bem vestidos a minha frente, mas nada em mim faz-me sentir contente. De repente, a porta da igreja se fecha e todos se levantam. Olhos voltados para trás em profundo silêncio para ver a entrada da minha noiva, mas uma única pessoa fica olhando perplexa para o altar: minha avó. Mas ela não olhava para mim... Então ouvi o som de um violino atrás de mim, o som se aproximava de mim. Quase não pude acreditar quando olhei para trás, sua voz encantou toda igreja, seus olhos azuis inundados... Minha gata borralheira no meu casamento estava a cantar.
Fiquei sem ar, então vi meu avô com a cabeça acenar e em sua boca pude ler: “Não cometa o mesmo erro que eu, é da vontade de Deus!”. Nem vi a noiva entrar, peguei a mão de Gabriela e fugimos daquele altar.